
Campanha Presidencial: Bastidores e Desafios de uma Candidatura
Quando o MDB anunciou Simone Tebet como sua pré-candidata à Presidência da República, poucos analistas apostavam em seu potencial eleitoral. O que se viu, contudo, foi uma campanha que cresceu organicamente, conquistou espaço nos debates e estabeleceu a senadora como uma voz central da política brasileira. Este artigo percorre os bastidores, estratégias e desafios desta jornada inesperada.
A Decisão de Candidatura: Rompendo Barreiras
A construção da candidatura de Simone Tebet não seguiu o caminho tradicional da maioria das campanhas presidenciais brasileiras. Ao contrário de figuras que cultivam por anos ou até décadas a ambição presidencial, a senadora por Mato Grosso do Sul emergiu como opção após sua destacada atuação na CPI da Pandemia, que a projetou nacionalmente como uma voz técnica, equilibrada e firme em momentos críticos.
Em dezembro de 2021, quando seu nome começou a circular como possível candidata, pesquisas internas do MDB indicavam um conhecimento ainda restrito de sua figura pelo eleitorado nacional. Apenas 37% dos brasileiros reconheciam seu nome, e a intenção de voto não ultrapassava 2%. Para muitos dirigentes partidários, estes números desaconselhavam uma candidatura própria, sugerindo a adesão a uma das duas grandes coligações que já se desenhavam no cenário eleitoral.
Foi neste contexto que Tebet tomou uma decisão que definiria toda sua trajetória eleitoral: defender a necessidade de uma candidatura de centro, que rompesse a polarização e oferecesse uma alternativa aos eleitores insatisfeitos com os extremos. Em reunião do diretório nacional do partido, seu discurso enfático sobre a responsabilidade histórica do MDB como partido de conciliação nacional foi decisivo para convencer lideranças hesitantes.
"Não podemos entregar aos brasileiros apenas duas opções. Nossa democracia merece e precisa de mais escolhas, de mais vozes, de um debate que não seja apenas sobre o passado, mas principalmente sobre o futuro que queremos construir."
Simone Tebet, em entrevista após a oficialização de sua pré-candidatura, janeiro de 2022
Construindo uma Equipe e uma Narrativa
Com recursos limitados e sem o apoio integral de seu próprio partido, dividido entre alas que defendiam alianças com outras candidaturas, Tebet precisou montar uma equipe enxuta e altamente comprometida. Seu primeiro passo estratégico foi reunir um núcleo de coordenação que combinasse experiência política com renovação e diversidade.
O Núcleo Estratégico
A coordenação da campanha foi estruturada em quatro áreas principais:
- Estratégia e Articulação Política: liderada por veteranos do MDB com experiência em campanhas nacionais, responsável pela interlocução com lideranças partidárias e definição dos eixos da campanha.
- Comunicação e Marketing: composta por profissionais jovens, com forte experiência digital, encarregados de construir a imagem pública e a presença nas redes sociais.
- Plano de Governo: um grupo multidisciplinar de especialistas em políticas públicas, coordenados por um ex-secretário de Estado, com a missão de desenvolver propostas concretas e economicamente viáveis.
- Mobilização e Eventos: equipe responsável pela logística dos eventos de campanha e pela articulação com movimentos sociais e setores organizados da sociedade civil.
Um diferencial importante da campanha foi a equipe de comunicação digital, que adotou uma abordagem inovadora, privilegiando conteúdos explicativos e educativos em detrimento de ataques aos adversários. Esta estratégia, embora inicialmente criticada por alguns como "branda demais", provou-se eficaz para posicionar Tebet como uma candidata propositiva e focada em soluções.
A Construção da Narrativa
O desafio inicial da campanha era definir uma narrativa clara que diferenciasse Tebet no campo político. Após extensas pesquisas qualitativas, a equipe identificou um espaço significativo para uma candidatura que combinasse:
- Experiência administrativa comprovada por sua gestão em Três Lagoas
- Conhecimento técnico demonstrado em sua atuação parlamentar
- Equilíbrio e capacidade de diálogo em um cenário de polarização extrema
- Sensibilidade social aliada à responsabilidade fiscal
Estes elementos foram sintetizados no slogan "Brasil de Verdade", que buscava expressar tanto o compromisso com a verdade factual (em contraste com o ambiente de desinformação) quanto a conexão com a realidade cotidiana dos brasileiros comuns, distante dos extremos ideológicos.
Bastidores
A escolha do slogan "Brasil de Verdade" não foi consensual dentro da equipe de campanha. Inicialmente, estrategistas defendiam algo mais direto como "Coragem para Mudar" ou "Nem Um, Nem Outro". Foi a própria Tebet quem insistiu em uma mensagem que valorizasse a autenticidade e a verdade como valores centrais de sua candidatura.
O Desafio dos Recursos e da Estrutura
Um dos maiores obstáculos enfrentados pela campanha de Tebet foi a questão dos recursos financeiros e estruturais. Com o apoio dividido dentro do próprio MDB e uma coligação restrita com outros partidos de centro (Cidadania e PSDB), a candidatura precisou administrar um orçamento significativamente menor que seus principais competidores.
Enquanto campanhas tradicionais investiam massivamente em estruturas físicas, grandes eventos e pesada presença televisiva, a equipe de Tebet optou por uma abordagem mais eficiente:
Otimização de Recursos
- Foco Digital: Priorização de investimentos em plataformas digitais, com conteúdos específicos para diferentes segmentos do eleitorado.
- Comunicação Direta: Uso intensivo de videochamadas e encontros virtuais com lideranças regionais e apoiadores, maximizando o alcance da candidata sem os custos de deslocamento.
- Eventos Estratégicos: Em vez de comícios grandiosos em diversas cidades, a campanha concentrou-se em eventos menores, mas de alto impacto midiático, em locais simbólicos para as pautas prioritárias.
- Mobilização de Voluntários: Criação de uma rede de apoiadores voluntários, especialmente entre jovens universitários e profissionais liberais, que se tornaram multiplicadores da mensagem da campanha.
Esta estratégia de "campanha enxuta" acabou por se tornar, ironicamente, um dos pontos fortes da candidatura. A imagem de uma candidata que fazia mais com menos recursos reforçava sua mensagem de gestão eficiente e responsabilidade fiscal. Em diversos momentos, Tebet destacou o contraste entre sua campanha austera e as estruturas faraônicas de seus adversários, questionando: "Se não conseguem gerir com eficiência nem a própria campanha, como poderão administrar um país?"
Nossa campanha reflete nossa proposta para o Brasil: fazer mais e melhor com os recursos disponíveis. Não precisamos de palácios, carreatas milionárias ou shows de celebridades. Precisamos de ideias, propostas concretas e disposição para o diálogo.
Simone Tebet, durante sabatina com empresários, agosto de 2022Os Debates: O Momento da Virada
Se existe um ponto de inflexão identificável na trajetória da campanha de Simone Tebet, este momento certamente foram os debates televisivos. Enquanto nas primeiras semanas da campanha oficial sua presença permanecia discreta nas pesquisas de intenção de voto, foi nos confrontos diretos com seus concorrentes que a senadora conseguiu demonstrar seu preparo e diferenciar-se no campo político.
Estratégia para os Debates
A preparação de Tebet para os debates presidenciais foi meticulosa e envolveu uma abordagem multifacetada:
- Imersão em Dados: Sessões intensivas de estudo sobre indicadores econômicos e sociais, orçamento público e experiências internacionais de políticas públicas bem-sucedidas.
- Simulações: Realização de simulações de debate com membros da equipe interpretando os adversários, incluindo previsão de ataques e provocações.
- Preparação de "Momentos-Chave": Identificação de oportunidades para intervenções memoráveis e frases de impacto que pudessem repercutir além do tempo do debate.
- Treinamento de Comunicação Não-Verbal: Trabalho com especialistas em linguagem corporal e expressão facial para potencializar a comunicação mesmo nos momentos em que não estava falando.
O primeiro debate da campanha, realizado em agosto, já sinalizou que Tebet poderia surpreender. Enquanto os principais candidatos trocavam acusações e exploravam temas do passado, a senadora manteve o foco em propostas concretas e em uma visão de futuro, questionando diretamente seus adversários sobre como implementariam suas promessas de campanha.
No entanto, foi no segundo debate televisionado nacionalmente que ocorreu o que muitos analistas classificaram como "o momento Tebet". Ao ser atacada por um dos candidatos que tentou diminuir sua relevância política, a senadora respondeu com uma firmeza que surpreendeu o público:
"O senhor pode me subestimar, mas os brasileiros não merecem ser subestimados. Eles querem saber como vamos gerar empregos, como vamos melhorar a educação, como vamos controlar a inflação. Enquanto o senhor vive do passado, eu estou propondo soluções para o futuro. Esta é a diferença entre nós."
Simone Tebet, em resposta durante debate presidencial, setembro de 2022
A repercussão desta intervenção foi imediata. Nas 24 horas seguintes, Tebet foi o nome mais buscado no Google entre os candidatos, e sua equipe registrou um aumento de 340% no número de seguidores em suas redes sociais. Mais importante, as pesquisas de opinião realizadas após os debates consistentemente a apontavam como uma das participantes mais preparadas, mesmo entre eleitores que declaravam intenção de voto em outros candidatos.
Impacto nas Pesquisas
Após o ciclo inicial de debates, a candidatura de Simone Tebet registrou um crescimento significativo nas pesquisas de intenção de voto, saltando de 2% para 7% em apenas duas semanas. O mais importante, porém, foi o aumento em sua taxa de conhecimento (de 54% para 78%) e na avaliação positiva entre os eleitores que a conheciam, que passou de 23% para 41%.
Propostas e Posicionamentos: Além da Terceira Via
Um dos desafios centrais da campanha de Tebet foi superar o rótulo simplificador de "candidata da terceira via", estabelecendo um conjunto de propostas que a definisse de forma positiva e não apenas como alternativa aos polos existentes. O plano de governo desenvolvido por sua equipe focou em cinco eixos principais:
Desenvolvimento Econômico Sustentável
No campo econômico, a candidatura posicionou-se por um modelo que combinava responsabilidade fiscal com investimentos estratégicos, destacando-se:
- Reforma tributária simplificadora, com redução da carga de impostos sobre consumo e produção
- Programa de reindustrialização verde, com incentivos para tecnologias de baixo carbono
- Marco regulatório para atração de investimentos em infraestrutura
- Política de inovação tecnológica com parcerias entre universidades e setor produtivo
Proteção Social e Combate às Desigualdades
No campo social, Tebet apresentou propostas que buscavam equilibrar assistência imediata com emancipação de longo prazo:
- Programa de Renda Básica permanente, unificando benefícios existentes
- Sistema nacional de creches em tempo integral
- Programa "Primeiro Emprego" com incentivos para contratação de jovens
- Política habitacional com foco em regularização fundiária e retrofit urbano
Educação como Prioridade Nacional
A educação foi apresentada como o eixo central de transformação do país, com propostas como:
- Expansão da escola em tempo integral, com meta de atingir 70% da rede pública em quatro anos
- Programa nacional de recuperação da aprendizagem pós-pandemia
- Reformulação do ensino médio, com ênfase em formação técnica e tecnológica
- Sistema nacional de avaliação de professores, com valorização por mérito
Sustentabilidade e Agenda Verde
O meio ambiente foi tratado como diferencial competitivo do Brasil, com propostas como:
- Tolerância zero para o desmatamento ilegal, com fortalecimento da fiscalização
- Programa de pagamento por serviços ambientais para pequenos produtores rurais
- Investimento em matriz energética limpa e renovável
- Política nacional de recursos hídricos, com foco em segurança hídrica e saneamento
Fortalecimento Institucional e Democrático
O quinto eixo tratava da qualidade da democracia brasileira, com propostas como:
- Reforma política para fortalecer partidos programáticos e reduzir a pulverização partidária
- Modernização da administração pública, com ênfase em digitalização e transparência
- Fortalecimento das agências reguladoras e órgãos de controle
- Política nacional de dados abertos e participação cidadã
Este conjunto de propostas foi gradualmente apresentado em eventos temáticos, onde especialistas e representantes da sociedade civil tinham oportunidade de debater e contribuir para o aprimoramento das ideias. Esta metodologia participativa, embora mais trabalhosa, gerou um plano de governo considerado por muitos analistas como o mais consistente e factível entre os apresentados na campanha.
Desafios e Obstáculos: A Campanha Contra a Maré
Apesar do crescimento gradual nas pesquisas e da boa repercussão nos debates, a campanha de Simone Tebet enfrentou obstáculos significativos que limitaram seu potencial eleitoral. Compreender estes desafios é fundamental para contextualizar adequadamente sua trajetória e resultados.
A Polarização Estrutural
O maior desafio enfrentado pela candidatura foi a própria estrutura polarizada do sistema político brasileiro, que se consolidou ao longo dos últimos ciclos eleitorais. Grande parte do eleitorado já chegou à campanha com decisão cristalizada, orientada mais por rejeição a um dos polos do que por identificação positiva com propostas. Em pesquisas qualitativas realizadas pela equipe de Tebet, muitos eleitores declaravam admiração por suas ideias, mas optavam pelo "voto útil" contra o candidato que consideravam mais ameaçador.
Esta polarização afetou também o comportamento da mídia tradicional, que concentrou sua cobertura nos candidatos com maior intenção de voto, criando um círculo vicioso: menos visibilidade gerava menos pontos nas pesquisas, o que por sua vez justificava menos cobertura midiática.
Divisões Internas no MDB
Outro obstáculo significativo foi a divisão interna em seu próprio partido. Diversos diretórios estaduais do MDB, especialmente no Nordeste e Norte do país, declararam apoio a outros candidatos presidenciais, enfraquecendo a estrutura da campanha nessas regiões. Esta fragmentação reduziu o acesso a recursos do fundo eleitoral e limitou a capilaridade da campanha no território nacional.
Em alguns estados, lideranças do MDB chegaram a desaconselhar publicamente o voto em Tebet, priorizando alianças locais. Esta situação gerou o paradoxo de uma candidata presidencial com dificuldades para mobilizar parte expressiva de sua própria base partidária.
O Desafio do Tempo de TV
A legislação eleitoral brasileira estabelece a distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita proporcional à representação dos partidos no Congresso Nacional. Com uma coligação restrita, a candidatura de Tebet dispunha de apenas 2,5 minutos em cada bloco de propaganda, tempo insuficiente para apresentar de forma adequada suas propostas para os diferentes setores.
Este limitado tempo de exposição televisiva afetou particularmente o alcance da campanha entre eleitores das classes C, D e E, com menor acesso a internet e redes sociais, onde a campanha conseguia maior penetração. Pesquisas de tracking realizadas semanalmente mostravam que nas faixas de menor renda e escolaridade, o conhecimento sobre Tebet permanecia significativamente abaixo da média geral.
Fazer campanha no Brasil é como correr uma maratona onde alguns competidores já largam vários quilômetros à frente. O sistema favorece quem já está estabelecido, quem já tem estrutura. Mas também acredito que ideias boas, sinceridade e trabalho duro eventualmente encontram seu caminho.
Simone Tebet, em entrevista a correspondentes estrangeiros, setembro de 2022O Impacto da Candidatura Feminina
Um aspecto relevante da candidatura de Tebet foi sua condição como mulher em uma disputa historicamente dominada por homens. Embora a campanha tenha evitado explorar o gênero como elemento central de sua narrativa, a presença de uma candidata competitiva representou, por si só, um marco importante para a representatividade feminina na política brasileira.
Ao longo da campanha, Tebet enfrentou situações que evidenciavam os desafios adicionais impostos às mulheres na arena política. Em diversas ocasiões, foi interrompida por adversários durante debates, teve sua capacidade técnica questionada de forma diferenciada e sofreu comentários relacionados à sua aparência ou tom de voz - situações raramente enfrentadas por candidatos homens.
A forma como lidou com estes episódios consolidou sua imagem de firmeza e equilíbrio. Em vez de vitimizar-se ou radicalizar o discurso, Tebet optou por responder com preparo técnico ainda mais rigoroso e com intervenções que expunham o machismo implícito em determinadas abordagens. Esta estratégia repercutiu positivamente, especialmente entre o eleitorado feminino e jovem.
Propostas com Recorte de Gênero
Embora evitando um discurso identitário restritivo, a campanha incluiu propostas específicas para questões que afetam desproporcionalmente as mulheres brasileiras:
- Programa nacional de enfrentamento à violência contra a mulher, com aumento de recursos para a rede de proteção
- Política de incentivo a empresas que adotam práticas de equidade salarial e de oportunidades
- Sistema nacional de creches em tempo integral para apoiar mães trabalhadoras
- Linha de crédito específica para empreendedorismo feminino
- Programa de saúde integral da mulher, com atenção especial ao pré-natal e parto humanizado
Estas propostas foram apresentadas não como "pautas femininas", mas como elementos essenciais para o desenvolvimento econômico e social do país como um todo, reforçando a mensagem de que equidade de gênero não é uma questão setorial, mas um valor transversal em todas as políticas públicas.
Repercussão
Estudos realizados após a campanha mostraram que Tebet teve sua melhor performance eleitoral entre mulheres com ensino superior, faixa em que chegou a alcançar 12% das intenções de voto nas últimas semanas da campanha. Sua candidatura também foi a que apresentou maior crescimento entre eleitoras jovens (18-24 anos), segmento tradicionalmente pouco engajado em campanhas de partidos de centro.